PREFÁCIO

 

A minha melhor poesia é aquela que nunca escrevi

e que talvez nunca escreverei...

Morrerá improfícua...

Como uma lágrima seca... dentro de mim.


                                                                De Hyppólito

 

segunda-feira, 25 de março de 2024

 





O Divã Onírico


 “A vida é como a esfinge da mitologia grega. 

A esfinge ou você a decifra ou será devorada por ela.

 A vida ou você entenda o seu significado

 ou continuará existindo como uma pedra imóvel

 em um lugar qualquer à espera de ser removida ou triturada.”

Valdecir A. de Oliveira



“Dedico este Texto-Poesia a minha esposa:

Andréa

Psicóloga, Mãe e Esposa encantadora,

Uma pessoa que aprendi a amar e a respeitar,

por toda sua ética profissional e pelo seu

inexorável lado humano.”

A ideia de ousar a compor este poema, veio após a leitura da

 “Última longa entrevista de Sigmund Freud”

Conduzida por George Sylvester Viereck

Recomendo sua leitura antes desse Poema.

No final da entrevista o jornalista descreve:


“A noite chegara. Estava na hora de pegar o trem de volta para a cidade que um dia abrigara o esplendor imperial dos Habsburgos. Freud, acompanhado pela esposa e pela filha, subiu a escada que ligava o seu retiro nas montanhas à rua, para se despedir de mim. Ele me pareceu triste e sombrio, quando acenou para mim...”

“Não me faça parecer um pessimista — (comentou depois do último aperto de mão) — Eu não desprezo o mundo. Expressar insatisfação para com o mundo é só uma outra maneira de cortejá-lo, para conseguir plateia e aplausos! “

“(O apito do meu trem soou na noite. O carro me levou à estação com rapidez. Aos poucos, a figura levemente curvada e a cabeça grisalha de Sigmund Freud desapareceram ao longe. Como Édipo, Freud olhou fundo nos olhos da Esfinge. O monstro propõe seu enigma para qualquer viajante. O andarilho que não souber a resposta será cruelmente agarrado e atirado contra as rochas. Mesmo assim, ela talvez seja mais gentil com aqueles que destrói do que com os que adivinham seu segredo.)”


O Divã Onírico


Parte I



Nel mezzo del cammin di nostra vita

mi ritrovai per una selva oscura,

ché la diritta via era smarrita.

("No meio do caminho desta vida

me vi perdido numa selva escura,

solitário, sem sol e sem saída.”)

Dante Alighieri





A paisagem não lhe era desconhecida... vales, montanhas, charnecas e pântanos.

Uma jornada inóspita, talvez para alguns...aterrorizante, mas para ele, não ...!

Caminhava em meio a tudo isso com passos firmes, tranquilo, sobranceiro...

Caminhava, não indiferente, mas com a calma e a resiliência de um especialista.

Sem enveredar-se na perigosa senda da intocabilidade... Caminhava...

Em meio a biodiversidade daquele ambiente onde coabitavam monstros ferozes e gigantescos com anões acanhados e complacentes,

Onde pássaros altaneiros rasgavam o céu, para a contemplação ambiciosa de seres rastejantes,

Onde anjos e demônios conviviam em uma relação por vezes belicosa e por muitas vezes cumpliciosa...


A mente humana havia se tornado para ele um lugar de ofício...

Não havia nesse passeio algum entrave e nem mesmo algum sacrifício. 

A sua desenvoltura neste ambiente era soberba e contumaz... 

Nada fugia aos seus olhos...!  Nada ficava para trás...!


O tempo se fechava, havia cheiro de tempestade no ar...

Algo corriqueiro naquele ambiente hostil e voraz.

Pela primeira vez aquilo o incomodava,

Sentindo assim um temor que a muito não sentia...

Uma vontade premente, quase que Jupiteriana.,

De se abrigar...  De se esconder....


Foi então que avistou aquela casa...

Que casa era aquela...?!

Que após tantas jornadas escrutinantes,

Por desertos, vergéis e escondedouros,

Que após tantos anos dedicados ao conhecimento

Cabal daquele sítio, teria fugido aos seus olhos perquiridores...?!


Aquilo lhe exasperava... ao mesmo tempo lhe excitava...

Casa estranha aquela...

Contrastando-se com tudo naquele cenário...

Como se fora o encantamento de um oásis no deserto...

Como aquilo lhe havia passado despercebido...?


Não...! Aquela casa não existia...!

Talvez uma ilusão de ótica, talvez uma miragem...!

E quando se deu por conta.... Já caminhava em sua direção...

Passos céleres... apreensivos...

Qual seria o motivo daquilo estar ali...?!


Seus olhos incrédulos, mas como sempre perscrutadores,

Iam delineando em sua mente detalhe por detalhe da estranha moradia,

Não tinha a imponência esdruxula e obsoleta das mansões,

Mas uma sobriedade, uma aparência de paz e de espiritualidade,

Como se tivesse sido construída em algum Conto de Fadas.


Chegando perto, reparou que nada havia em sua porta escrito,

Mas sentiu quase que naturalmente, que ali ele era bem-vindo,

Sim...! Naquela casa morava alguém feliz e hospitaleiro.

Quando ia bater, a porta se abriu, antes mesmo que isso se fizesse necessário,

Adentrou em um ambiente sem luxo, mas de uma excelência e sanidade distintas...

Um crepitar de lenha na fogueira tornava aquele ambiente ainda mais aconchegante e afável.

Lá fora a tempestade desabava, mas, parecia longínqua e já não causava incômodo algum.


Na sala havia um homem sentado à mesa que lhe fez um sinal cordial para que se sentasse.

Ele puxou a cadeira e sentou-se...

Neste instante percebeu que o temor que sentia no percurso até aquela casa, havia se dissipado...

Sentia-se relaxado e bem-disposto e percebeu que nem seu maxilar enfermo doía mais.  

Foi aí que pela primeira vez fitou os olhos daquele ser que estava diante dele...

Um incontinente arrepio foi lhe subindo dos pés até o pescoço...

Nunca antes, entre tantas sessões terapêuticas, havia fitado olhos assim...


Olhos que tinham:

Dignidade... Sem a afetação puritana dos “Hipócritas” ...

Autoridade... Sem o despotismo vil dos “Autocratas” ...

Superioridade... Sem a arrogância fátua e corpulenta dos “Prepotentes” ...

Sapiência... Sem o obscurantismo velado dos “Eruditos Insidiosos” ...

Temperança... Sem a subserviência infame dos “Covardes” ...

Sem proferir uma palavra e sem qualquer resquício de ironia, aqueles olhos falavam para ele:

“Eis aqui o ‘Grande Explorador’ do lado obscuro da alma ...”

“O ‘Desbravador’ do inconsciente, aquele que ousou a levantar o véu da angústia humana ...”

“Aquele que rompeu os nós da ambivalência humana e que com luz da ciência esquadrinhou o que tinha de mais íntimo na criatura...”


Percebeu que suas forças psíquicas se esvaiam, um cansaço enorme lhe sobreveio...

Sentia-se esgotado como se fora uma espécie de “Sísifo” ...

Via diante daquele ser, o trabalho de toda uma existência e o tempo gasto em tanto estudo

Rolando, como se uma enorme pedra fosse, para o limbo... para o nada...!

Mas aquele ser continuava a fitá-lo e a falar com ele, agora com uma certa benevolência...

“Não...! Nada tinha sido em vão, a pedra não rolaria para baixo, permaneceria no cume da montanha,

Incrustada como uma joia e ali permaneceria para todo o sempre...

Tudo fez parte de um propósito... Até o teu ateísmo...

Pois a fé e a crença obstruiriam teu caminho,

Não chegarias com elas aonde hoje chegastes...

Aqui... diante de mim...!

Eu sou ‘Alfa e Ômega’, princípio e fim...

Toda tua obra começa e termina em mim.”


Tendo a “conversa” como encerrada, fez um movimento para levantar-se,

Neste instante o Homem que se sentava à sua frente fez um sinal para que esperasse,

E abriu sua mão para lhe mostrar algo à sua esquerda,

Ele olhou e viu uma alva cortina que foi lentamente se abrindo,

Revelando para seus olhos descrentes um lindo Divã...

Nunca tinha visto e nem imaginado que existisse uma peça daquele porte...

A que possuía pareceu-lhe de repente um pobre “Leito de Procusto”.

Foi neste momento que lhe veio a absurda ideia:

Teria ele o supremo privilégio de ser analisado por Deus...?!


Suas pernas, descontroladamente, começaram a tremer,

E foi com a mente perdida em um emaranhado de pensamentos confusos,

Seu corpo à beira de um completo estupor...

Que resoluto levantou-se para se dirigir ao Divã.

Neste instante, aquele “Ser” de forma circunspecta e branda,

Fez um sinal para que ele voltasse a se sentar, ao que prontamente obedeceu.

E neste momento aquele “Homem” se levantou...

Suas proporções eram imensuráveis... Era um Gigante...!

Um misto de admiração e de medo toldavam as faces do “Velho Professor”,

Que totalmente atônito assistia aquela cena inimaginável:

Aquele “Gigante” ir aos poucos definhando... diminuindo....

Enquanto caminhava em direção ao “Onírico Divã”,

Até, por fim, seu corpo chegar à efêmera proporção humana.


Deitou-se e voltando seus olhos ao Analista, pediu:

Com olhos, agora débeis, agora frágeis, agora humanos...:

“Não tenha receios e nem escrúpulos, permita-se incomodar-me,

Rasgue por fim este véu que obstaculiza e que confunde

O conhecimento do que é Divino e do que é Humano...

Faça um favor a ti, a mim e a humanidade...

Decifra-me...!”



Parte II


“A Consciência Humana é este morcego!

Por mais que a gente faça, à noite, ele entra

Imperceptivelmente em nosso quarto!”

Augusto dos Anjos



Algo semelhante ao som de uma explosão, ouviu-se... e ele estava de volta ao seu estúdio,

Sentado em sua poltrona, transpirando além do usual e corriqueiro...

A dor em seu maxilar havia voltado com mais força e veemência,

Como uma espécie de autofagia punitiva e deletéria...

O pensamento embotado, uma falta de ânimo que há muito não sentia...

Parecia que nada lhe fazia sentido, se sentia fraco... debilitado...

A lembrança daqueles olhos... Ora sóbrios e pertinazes, ora afáveis...quase dóceis... o perseguiam.

E foi neste instante que do nada a “Culpa” lhe sobreveio...

“Culpa...!

Um “Lugar Comum” entre os existentes...

Pois o Ser Humano sempre se sente culpado de alguma coisa...

E vai arrastando miseravelmente esta “Culpa” pela vida,

Como se fosse grilhões de dívidas e de iniquidades...”


Olhou para as paredes de seu estúdio e viu um enorme buraco,

De onde saiam enormes escorpiões...

E pela primeira vez sentiu medo deles...

Quem havia produzido tão horrendo orifício...?

Quem havia violado a privacidade de sua casa...?

Não...! Não aceitaria ser invadido assim...

Ele era o “Invasor” ...! Era ele que determinava as regras deste jogo...!


Então se levantou e andou pela sala agitado e pressuroso,

Foi esmagando Lacrau por Lacrau, até que mais nenhum restasse,

E viu nesta atitude um tipo de redenção, um tipo de catarse...

Não...! Não fora só sua casa usurpada por monstros e lacraias,

Sua alma também havia sido invadida e sinistramente violada...

Teria sido aquele “Ser” do inusitado e inesperado colóquio...?

Lembrou-se de suas últimas palavras no encontro:

“Decifra-me...!”

Mas não o “Decifrou” ... Não teve tempo para isso...

Quando se deu conta estava de volta ao seu Estúdio

Entregue as dores de sua enfermidade e aos escorpiões... 


Uma cólera que há muito não sentia (algo tão raro naquele homem.),

Foi-lhe tomando, lhe possuindo...

Queria gritar ao mundo bem alto e com toda intensidade: 

“Que Deus não existia... Que Deus era uma mentira...

Que Deus era uma ilusão... Uma infantilidade...!”


E foi neste momento tomado pela fúria e quase fora da razão,

Que avistou em sua estante toda sua obra ricamente encadernada,

E ao se aproximar dela sua alma convulsa perguntou ao nada:

Teria sido apenas tempo perdido...? Uma simples e pura sublimação...?

Começou a derrubar tomo por tomo...

Mas de repente parou...Ao ver, alucinado...!

No tapete da sala... Desesperados...!

Uma multidão de homens nus,

Soterrados...!

Por uma avalanche de “Totens e Tabus” ...


De Hyppólito

  



terça-feira, 4 de abril de 2023

  

 
 "Quando a decadência atinge a alma,
     já não existe remédio para  o corpo."

                                                                                                                                               Josemar Bosi


TEMPLO COMBALIDO

 

 

Vejo o mundo aqui do “alto” de minha idade,

Como se fora um templo que vai ruindo aos poucos,

Na indiferença estúpida e banal da humanidade.

 

Vejo o mundo hoje, de uma forma circunspecta, cética...

Numa indiferença quase que lúcida, quase que demente...

Um mundo tão vazio de almas ... e tão cheio de gente..!

 

Nele hoje, caminho atordoado e perdido...

Como se da vida um soco tivesse levado...

Me sinto míope, inútil, exausto, decadente..!

 

Vejo a humanidade gradativamente a se decompor,

Num show insano de deterioração cognitiva...

Numa dissipação volátil de ideias,

Num estupor inexorável da razão...

 

Vejo o mundo se desfazendo em cacos... em pedaços...

E o que mais me exaspera...

O que torna ainda mais retumbante o meu fracasso,

É que por ele nada tento...

É que por ele nada faço...

 

sábado, 22 de outubro de 2022

 


Do livro: Contos de Vidas que não Vivi


A imagem de meu Pai

  

Me lembro da velha casa em que morei,

A infância ali transcorreu sem dores.

Era uma casa esquisita, cheia (aos meus olhos de criança),

De lugares escondidos num aranhol de corredores.

 

À noite, antes de ir dormir,

Sempre via no final de um longo corredor,

A imagem de meu Pai sentado à mesa da sala,

A ler, a escrever e por muitas vezes...

A olhar para o nada...

 

O tempo passou...

A casa foi embora...

Com seus corredores empoeirados,

Levando junto a imagem de meu pai também...

 

Mas a lembrança da corporatura de meu velho,

Sentando e meditando, no final do corredor,

Permanece em mim até os dias de hoje.

 

Caminho por este mundo,

(Que para mim tornou-se um claustro)

Cheio de dúvidas e de temores,

Procurando a imagem enigmática de meu Pai,

No final destes longos e intermináveis

Corredores...

 

 

 


segunda-feira, 10 de outubro de 2022



Cegonha Triste


“Meu coração, como um cristal, se quebre,

O termômetro negue minha febre,

Torne-se gelo o sangue que me abrasa,

E eu me converta na cegonha triste

Que das ruínas duma casa assiste

Ao desmoronamento de outra casa!”

Augusto dos Anjos

 


Quanto sentimento, quanto amor,

Represei no lago escuro de meu peito.

Quantas palavras calei,

Pelo simples medo de proferi-las...

 

Quantos amigos perdi,

Por não ter tempo para eles,

Por não os aceitar como eram,

Por não tentar ao menos por um momento,

Compreende-los...

 

Quantos caminhos para mim se abriram,

E eu com medo do desconhecido...

Não os percorri...

 

Preferindo ficar aqui de rastros...

Carregando dentro de mim

A abjeta mediocridade de meu ego.

 

Meus passos travaram...

E na estrada enlameada de minha vida

Atolei...!

Afundado em minha própria insignificância...

 

Tornei-me a “Cegonha Triste” ...

Que debruçada sobre si mesma,

Contemplou deplorável e silente...

O desmoronamento do seu próprio ser...

   

 


Do livro: Contos de Vidas que não Vivi

O remorso de algo que fizemos no passado,
frusta e escurece o nosso presente...
Dando-nos uma sensação amarga de impotência.


                                                                                                 

Penitência Tardia

  

A notícia veio pela manhã, meu irmão não estava bem,

Teve um mal súbito e foi internado às pressas.

Cancelei todos compromissos e segui para o hospital.

 

No trajeto, enquanto caminhava para lá,

Pensamentos e recordações povoavam minha mente,

O cofre da memória, então, se abriu...!

E tanta coisa...

Recôndita em minha alma, então, surgiu...!

 

Me veio à lembrança um natal antigo,

Nós todos pequenos, em escadinha,

Eu, minha irmã e o caçulinha...

 

Como foi contestável Papai Noel naquele dia,

Trazendo em seu ordinário saco a desarmonia,

Para mim um lindo carrinho...

Para minha irmã uma graciosa boneca...

E para o menor uma lúdica e inútil: Peteca...!

 

Seus olhinhos se fixavam em meu brinquedo,

E eu, perverso tripudiava, e tinha prazer nisto...

Fazendo “vrum” com meu carrinho,

Enquanto ele segurava a infame Peteca,

Sem ter ao menos com quem jogar...

 

O tempo foi passando, a peteca ficou jogada num canto,

Empoeirada e esquecida, até que um dia foi parar no lixo...

Mas meu lindo carrinho permanecia intacto e intocável.

 

A crueldade infantil é imensurável...

Por muitas e muitas vezes, ele, tadinho...

Ficava parado a olhar para o carrinho,

 

Com aquela ânsia infantil de pelo menos tocá-lo,

Brincar nem que fosse só um pouquinho,

E eu, sórdido, não deixava...

 

Os anos avançaram cada qual seguiu o seu caminho,

Essas lembranças cauterizaram-se em meu cerne,

Não sei se houve reciprocidade em meu irmão...

 

Hoje elas eclodem em mim,

Tempestivas e apocalípticas,

É o arrependimento inútil dos culpados,

A metanoia estéril dos delinquentes.

 

O momento chega...

Justo e inevitável...!

 

Entro no quarto...

Meu irmão volta para mim seus olhos...

Observo em seu olhar...

O mesmo brilho daquele fatídico natal.

 

Pareceu-me até que pedia que não o deixasse partir...

Como se a vida fosse aquele brinquedo,

Que eu não queria dividir...

 

Quis no último instante lhe pedir perdão...

Mas os olhos dele já se despediam...

Foi aí então que me veio o desejo absurdo de falar:

“_ Não...! Não vá embora não, querido maninho..!

Eu jogo peteca contigo...

Eu deixo você ficar com o carrinho...”

  

 

sexta-feira, 7 de outubro de 2022

 


Homens de Negro

 

Homens de negro, de negros intentos...

Sois sim, a materialidade do mal.

Há em vossos olhos o rubor sanguinolento,

Das faces esculpidas em algum templo de Baal.

 

Homens de negro, de negras almas...

Onipotentes na prepotência inerente ao mau-caratismo.

Vossos desmandos causam danos, causam traumas...

Arquétipos da insensatez, simulacros vis do humanismo.

 

Homens de negro, ímprobos, tiranos de caquéticos desígnios...

Onipresentes em tudo que corrompe, em tudo que suborna.

Sois guardiães inexoráveis das falcatruas, dos latrocínios.

Representam tudo que é fétido, tudo que transtorna.

 

Homens de negro, párias nauseabundos e saltitantes...

Seres abjetos que se enraizaram no poder e na cobiça,

Quem vos deu, seres da banalidade circunstantes,

O direito de sem direito usurparem a Justiça...?!

 

Homens de negro, déspotas soberbos da maldade...

Aquartelados na intocabilidade de vosso torpe casuísmo,

Vão delegando aos asseclas vis de vossa iniquidade,

A ignomínia malsã e destrutiva do cinismo.

 

Homens de negro, déspotas insanos, parvos, estultos...

Estátuas de sal, pavilhões estúpidos da onisciência.

Secareis como a figueira que não deu fruto,

Trajando o corolário infame da Jurisprudência.

                                                                              

   

quarta-feira, 4 de agosto de 2021


Tempos Difíceis

Baseado no texto bíblico Miquéias 7

“Infeliz a geração em que cujo juízes merecem ser julgados”

(Talmud)

 

Tempos difíceis, estes que nos assolam...

A crença na justiça vai aos poucos fenecendo em nós...

Estamos iguais aos restos da colheita,

Jogados ao chão e dia a dia sendo pisoteados

Pela horda dos Filisteus insanos.

 

Perece na terra o homem justo,

E o “Grande” fala com orgulho da corrupção de sua alma...

Os asseclas do mau caçam, sem piedade, os homens de bem,

E os jornais glorificam em suas páginas, as bestas famulentas...

 

Não existe água limpa para que possamos matar a sede,

A Justiça secou-se em todas as instâncias...

Não há a quem recorrer...

Nossos Juízes se apressaram à recompensa,

E os Fóruns da sensatez entraram em recesso...

 

O melhor deles é como o lodo das pedras...

O mais íntegro...? Como uma cerca de abrolhos...

Não confies em nenhum...!

Daqueles que se dizem teus amigos e até dos que vivem em tua casa:

Guarda as portas de tua boca...!

 

Porque o filho tratará seu pai como um louco,

E a esposa, seu marido, como se estúpido fosse...

Os inimigos do homem serão os de sua própria casa.

 

Mas eu, porém, olharei para o meu Deus

E porei a minha esperança em suas mãos...

Pois ele é o Deus de minha salvação

E ele, sem dúvida, me ouvirá.

 

“Ó inimigos meus, não se alegrem a meu respeito;

Ainda que eu tenha caído, levantar-me-ei;

E se morar nas trevas, o Senhor será a minha luz.”

                                                   

segunda-feira, 31 de julho de 2017




A Gente Se Acostuma...

                         Inspirado no célebre texto de Marina Colassanti
       

“Amoldar-se ao mundo e as suas regras não quer dizer que as aceitamos e nem que fazemos parte delas...”




A gente se acostuma... a ser isso que somos, a ser o que dia a dia nos torna...A brigar por vagas nos estacionamentos, a brigar por vagas nos empregos, a brigar por vagas no coração de alguém...

A gente se acostuma... a ser promovido sentido-se rebaixado, a ser escolhido sentindo-se relegado, a ser abençoado sentido-se maldito.

A gente se acostuma... a colegas que nos tiram da solidão sem nos proporcionar companhia, a beijar sapos que não viram príncipes, a frequentar lugares que odiamos e a conviver com pessoas que para nós nada acrescentam, nada significam...

A gente se acostuma... a ser gerido pela incompetência, a ser torturado por ela sem clemência, tornando-se mero joguete em mãos inescrupulosas que violam nossa inteligência...

A gente se acostuma... A encarar a vida como um mero exercício de aceitação... A deitar no “Leito de Procusto” das regras sociais... Amputando assim nossas aspirações, nossos anseios, nossas esperanças...

A gente se acostuma... que é dando que se recebe, que é fechando os olhos que se perdoa, que é apanhando que se cria escudos...

A gente se acostuma... à gravata apertada das instituições, à saia justa das negociações  e a usar a túnica hedionda da cumplicidade...

A gente se acostuma... a corrupção dos elogios fraudulentos, a adulação hipócrita de nossos subordinados e a torpe indulgência de nossos superiores...

A gente se acostuma... a ser parte de uma acéfala estatística, estatística essa que não gera nada...não cria nada...não prova nada...que nos transforma em nada...

A gente se acostuma... a ganhar batalhas, perdendo-as, a triunfar sentindo a inutilidade da conquista e o amargo sabor da vitória pírrica.

A gente se acostuma... a enterrar nossos sonhos, nossos ideais, a ocultar nossos mais puros sentimentos, a engolir a seco toda mediocridade do mundo, a aplaudir de pé o exibicionismo infame dos hipócritas...

A gente se acostuma... a ser fera para não ser devorado por ela, a participar desse jogo sem questionar suas regras, a aceitar a trapaça no blefe dos farsantes...

 A gente se acostuma... a não olhar para frente com medo do tempo que se esgota e que nos esgota...

A gente se acostuma... ao medo do que virá, do que será, do que farei..?

A gente se acostuma... a fazer várias coisas ao mesmo tempo sem se concentrar em uma, a ver a nossa vida rapidamente esvaindo-se na volúpia das horas sem se dar conta disso...

A gente se acostuma... a ver nossos filhos crescerem na mesma proporção de nossos medos, a ver a cada dia nossa imagem no espelho refletida sem nos enxergarmos, a envelhecer sufocando a criança que brincava em nosso peito...

A gente se acostuma... a se despedir chegando, a chegar partindo... a não olhar para trás com medo de ver que nos deixamos no caminho, que alguma parte de nós ficou na estrada, talvez a nossa melhor parte...

 A gente se acostuma... a ver entes queridos partindo, nossos amigos sumindo... as mesas ficando vazias...a gente se acostuma a ficar cada vez mais sós...

Sim...! A gente se acostuma... mas não devia...*

                                                                                                      

sábado, 29 de julho de 2017



Asas de Cera



Qual será o sentido oculto neste labirinto?
Para onde irá o homem,
Aprisionado em seu próprio instinto?

Aonde achará a saída desta prisão,
Com o pensamento ofuscado
Pelo sentimento e pela emoção?

“Asas de cera não vão, no céu, te sustentar,
Há um mar imenso e ciumento a te mirar...”

Seriam essas asas um meio perfeito de elevação?
Que “Dédalo” hediondo arquitetou para ti esta prisão?
Dando-te asas de cera para fugir de meandros vis,
Calabouços frios, enigmáticos e sutis?

Perdeste em afetividades a tua mera lucidez,
Elevando teus propósitos à pura insensatez,
Em tua insanidade, quiseste o céu do mundo,
E o inferno foi se abrindo mais profundo...

“Asas de cera não vão, no céu, te sustentar,
Há um imenso deserto a te atrair, a te chamar...”

Teu intelecto é o “Dédalo” construtor desta prisão,
Deu-te para dela fugir, as inúteis asas da ilusão
Que a alma humana, eternamente, vivem a elevar,
A amplidões impossíveis de se alcançar...

“Asas de cera não vão, no céu, te sustentar,
Há um imenso pântano, hediondo e tenso,
Silenciosamente negro... a te atrair.. a te aguardar...”







Fé Descrente


Sentado à mesa, observo meu filho no tapete a brincar,
Deixo-me um pouco... e a ele volto minha atenção.
Há nas mãozinhas dele, dois bonecos...
Um é o bom... Outro é o mau...

Na sua concepção infantil, não existe o meio-termo,
Um representa o “Bem”, que há de sempre triunfar...
Outro representa o “Mal”, que sempre perderá...
Ele sempre me convida, para da brincadeira participar...
Sempre digo que não posso... Que tenho outros afazeres...
Mentira torpe e deslavada...!

A verdade é que não acredito mais em heróis que fazem o bem triunfar...
Acredito mais nos vilões que armam ciladas... emboscadas...
Nos “Dragões do Mal” que sempre destroem com seu fogo, nossos castelos...
Na eficiência dos estrategistas hediondos,
 a arquitetarem com maestria para nós o dano.

Minha lança do bem...?! Quebrou-se..!
Devo tê-la partido quando a enrosquei em algum desses improváveis moinhos de vento...
Ou quem sabe..? Rompeu-se com a fúria das rudes procelas...

Por isso, meu filho... ficarei aqui, sentado, a te contemplar...
Com mil demônios no meu peito a se confrontarem...
Ficarei mesmo que descrente... Crendo...!
Que um dia, ao riso pueril de uma criança,
 Toda maldade humana, enfim, sucumbirá...
Ao mesmo tempo pressentindo e temendo,
A imensa frustração que esta crença me trará...


sexta-feira, 28 de julho de 2017


AVISO:

CONTEÚDO IMPRÓPRIO PARA MENORES DE 18 ANOS






Traje Descartável

Ficam, por toda a vida, as duas vidas
Na mais profunda comunhão estranhas,
No mais completo amor desconhecidas.
E os dois seres, sentindo-se tão perto,
Até num beijo, são duas montanhas
Separadas por léguas de deserto.
Olavo Bilac

                                                                 Quanto tempo haveremos de caminharmos juntos,
                                                           para no final descobrirmos que estamos sós....
                                                                                                                                                   De Hyppólito


Sou a meia puída, quase furada, esquecida na última gaveta.
Sou o pé de chinelo que do par se perdeu na longa caminhada...
Sou, talvez, aquela camiseta surrada... toda furada...
Que não tendo nenhuma serventia, virou pano de chão...

Sou uma roupa que já não te serve,
aquela que lhe aperta, que te estrangula...
aquela que não se amolda mais a seu corpo...

Tentas ás vezes usá-la, mas ela te frustra...
Não se encaixa mais em tua forma augusta,
nem são apropriadas para quem hoje tu és...

São apenas farrapos daquilo que já foi roupa...
Que hoje não são mais nada, não valem nada...
      Mofaram... na gaveta do tempo... viraram estopa...